terça-feira, 5 de julho de 2016

Eduardo Lourenço-O Labirinto da Saudade

Na “literatura como interpretação de Portugal”, Eduardo Lourenço assinala cinco momentos relevantes induzidos pelas gerações mais marcantes do século XIX e princípios do século XX.
O primeiro momento é caracterizado pelos escritores do Romantismo, Alexandre Herculano e Almeida Garrett e o Modernismo de Fernando Pessoa. È assinalado pela atitude inaugural de Garrett, em que pela primeira vez Portugal se questiona sobre uma nova entidade, a Pátria-Nação; 
O segundo momento é representado pela célebre Geração de 70. Em que os seus mais ilustres membros Eça de Queirós, Antero de Quental, Teófilo Braga e Oliveira Martins perante a realidade nacional procuram repor Portugal na sua magnitude negada pela conjuntura medíocre da sua realidade política, econômica, social e cultural. Esta geração convive com o sentimento de declínio de um povo que recebe influencias passivas do movimento designado por Civilização;
 O terceiro momento é marcado pela Geração de 90, que vai contestar este declínio com o Junqueiro e António Nobre;
 O quarto momento interpreta em profundidade o imaginário saudosista de Teixeira de Pascoaes, explicando a relação do escritor com a sua pátria, uma pátria a ser feita e não apenas já feita; 
 O quinto momento termina, com a Mensagem de Pessoa, em que a desnacionalização eo cosmopolitismo permitem esperar tudo do Portugal navegador.

Estes escritores almejaram transformar e lutar contra as imagens do País, ambicionando recriá-lo à imagem de nações europeias fortes e proclamando o renascimento do Império com a vinda do Desejado. Os discursos identitários por eles criados fundam o nosso patrimônio cultural.
Saudades! Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do mistério da vida. Caras que via habitualmente nas minhas ruas habituais - se deixo de vê-las entristeço; e não me foram nada, a não ser o símbolo de toda a vida.
Fernando Pessoa

POEMA DE PESSOA, DECLAMADO POR MARIA BETHÂNIA


Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como
uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que DEUS estava dormindo e o Espírito Santo
andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e
roubou três.
Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
d'água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
materno até Ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Assim Como...

Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade, Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada. Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada. Assim tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos, infância da doença. Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença. Caeiro.

"Assim Como", é um dos poemas mais belos de Caeiro. Não somente pela estética, e o envolvimento adequado do que consiste a realidade para o poeta. Mas também, pela simplicidade de reconhecer a realidade em pequenas simplicidade da existência humana.Bem sabemos que assim como a verdade não depende somente das questões antagônicas entre  verdadeiro e falso. Mas recorre da questão filosófica,entre a metafisica e a harmonia das ideias, nesta instância cabe dizer que  a verdade depende da concepção de cada individuo.O verso "Assim tudo o que existe, simplesmente existe." 
Para Caeiro, tudo é estável, e objetivo. nada foge de seu controle, ele sabe das coisas. Um homem de palavras simples e plurais.



 

   

Para Caeiro, o importante é ver e ouvir: "A sensação é tudo (...) e o pensamento é uma doença".

Alberto Caeiro é o mais objetivo dos heterônimos. Busca o objetivismo absoluto, eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que se volta para a fruição direta da Natureza; busca "as sensações das coisas tais como são". Opõe-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo. Neste sentido, é o antípoda de Fernando Pessoa "ele-mesmo", é a negação do mistério, do oculto.

Coerente com a posição materialista, antiintelectualista, adota uma linguagem simples, direta, com a naturalidade de um discurso oral. Os versos simples e diretos, próximos do livre andamento da prosa, privilegiam o nominalismo, a "sensação das coisas tais como são". É o menos "culto" dos heterônimos, o que menos conhece a Gramática e a Literatura. Mas, sob a aparência exterior de uma justaposição arbitrária e negligente de versos livres, há uma organização rítmica cuidada e coerente. Caeiro é o abstrador paradoxalmente inimigo de abstrações; daí a secura e pobreza lexical de seu estilo.

A obra em estudo, Poemas Completos de Alberto Caeiro, traz um prefácio de Ricardo Reis (outro heterônimo de Fernando Pessoa, já comentado nesse estudo) que salienta o seguinte:

"Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por um progresso imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras de as ter, e uma evolução íntima de pensamentos derivados de tais sensações progressivas.
Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre, porém a que não assenta o título de religiosa, por isso que como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo que não contém meras interpretações. Pensei, quando primeiro me foi entregada a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um largo estudo, crítico e excursivo, sobre a obra de Caeiro e a sua natureza e destino fatal.
Tentei com abundância escrevê-lo. Porém não pude fazer estudo algum que me satisfizesse. Não se pode comentar, porque se não pode pensar, o que é directo, como o céu e a terra; pode tão-somente ver-se e sentir-se. Toda obra fala por si, [...] quem não entende não pode entender, e não há pois que explicar-lhe."

Ainda, no prefácio, Reis afirma que a obra é dedicada, por desejo do próprio autor, à memória de Cesário Verde. Fernando Pessoa em sua carta a Adolfo Casais Monteiro afirma sobre Alberto Caeiro: "Caeiro nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma... Era louro sem cor, olhos azuis; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Morreu de tuberculose em 1915". 

O HOMEM DO CAMPO





O Homem e o Rebanho


1. O Guardador de Rebanhos

I - Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

“Porque eu sou do tamanho do que vejo”

   Essa frase dita pelo heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro. Remonta particularmente pra mim, um sentimento de esperança e luz, para nossos dias tão obscuros.
ninguém pode nos dizer, o que somos, o que vemos, ou o que sentimos. Essa função é nossa. De cada ser individualmente; somos  responsáveis pela nossa felicidade.
   Dito isto introdutoriamente, Fernando P. ao dar vida a um pastor de ovelhas, um homem rústico e sábio, que valorizava a cultura campestre, e acima de tudo o bom gosto pela alta literatura, pois, Caeiro é considerado o mestre dos heterônimos de Pessoa. Nesta perspectiva, podemos entender que Caeiro, era um homem, com um sentimento apurado para os sentidos, o seu sentir está na condição que o homem vive, ele por sua vez, entende que a felicidade está na simplicidade. que de fato, está.
   Por sua vez, podemos dizer que sua relação com a natureza é extremamente poética e literária; seu discurso está por sua vez, pautado na transformação do abstrato ao concreto. Ele é firme; e usa uma  atitude anti lirica para retomar as questões que tem afligido a sociedade a anos. o conceito de eternidade.
Cairo recusa o mistico, recusa a metafisica; suas convicções está pautada no próprio predomínio nas sensações.